A aula ao vivo desta semana pretende ser uma avaliação serena e sem pretensões de certeza do que podemos esperar do Sínodo sobre a Família, convocado pelo Santo Padre o Papa Francisco em fins do ano passado. Problemas complexos e delicados, escândalos midiáticos e pronunciamentos desconcertantes é quanto se nos apresenta às vésperas de mais uma Assembleia Sinodal. Encontramo-nos, pois, diante de tão graves polêmicas, que o católico se sente como que perdido e algo desamparado em meio a lobbies desonestos e pressões vindas inclusive de nossas igrejas e comunidades.

Como de ordinário e para escândalo geral, os media fizeram circular há mais ou menos uma semana a declaração dum sacerdote polonês, ex-assistente da Congregação para a Doutrina da Fé, que decidiu assumir em público a homossexualidade, além de revelar o parceiro com quem vinha há tempos se relacionando. O outing talvez fizesse menos barulho, se o mesmo padre não houvesse aproveitado a oportunidade para exigir do Sínodo uma revisão radical da doutrina católica a respeito da homossexualidadegays". À controvérsia soma-se, além do mais, a insistência oriunda de todos os lados para que a Igreja enfim admita à comunhão os casais em segunda união

Apesar destas escaramuças que há décadas vêm se avolumando, o que nós católicos podemos esperar do Sínodo sobre a Família? O que, de fato, está em jogo?

O problema é decerto muito complexo; tão complexo, aliás, como o da própria família. A preocupação maior das pessoas, quer católicas, quer não, é antes de tudo doutrinal. Entre nós, muitos sentem a necessidade de se reafirmarem com clareza e objetividade certos pontos da doutrina desde sempre professada pela Igreja. Outros, sejam ou não cristãos, esperam do Sínodo algum tipo de mudança; desejam que as futuras Assembleias não apenas sinalizem uma reorientação dogmática como também abram brechas, pequenas que sejam, para que a Igreja vá aos poucos aceitando e assimilando "novas formas" de ser família. Outros ainda demandam do Papa Francisco uma declaração contunde a favor da indissolubilidade matrimonial. O tema, como se vê, divide opiniões dentro e fora da Igreja.

A esta altura, porém, uma possível revolução dogmática parece algo de todo improvável e, em certo sentido, até mesmo muito óbvio por parte dos que desejam fundar uma nova igrejapraxe pastoral desfavorável ao dogma, e não o próprio dogma. Relativamente à doutrina, com efeito, uma prática pastoral pode acarretar três coisas: ela pode ou (a) fortalecê-la, ou (b) enfraquecê-la, ou então (c) contradizê-la. Isto não implica, obviamente, que a doutrina seja desimportante ou esteja em segundo plano. O que temos de levar em consideração neste momento é que há no mínimo cinco décadas a Igreja tem visto surgirem inúmeras práticas pastorais que, se não se opõem frontalmente à fé ortodoxa e à voz do Magistério—os quais deveriam tutelar e pôr em prática—, ao menos os enfraquecem e vulnerabilizam no coração dos fiéis com o passar do tempo.

Neste sentido, a grande preocupação que o Sínodo nos coloca é saber se tais práticas (em curso há anos, reafirmemo-lo) se tornarão doravante algo institucional, corriqueiro e normal no dia a dia de nossas paróquias. Um exemplo talvez esclareça melhor o problema de que falamos aqui. Em julho de 1968, o Papa Paulo VI, com base nos princípios básicos e universais da moral católica, declarou com firmeza que os meios contraceptivos, devido à sua gravidade e ao bem a que se opõem, são sem dúvida nenhuma ilícitos [1]; por isso, os casais que deles ser servem estão, ao menos objetivamente, em estado de pecado portal e, portanto, impossibilitados de comungar. Trata-se, pois, de uma doutrina genuinamente católica a respeito da regulação de natalidade; o Magistério não inventou nenhum ensinamento, mas apenas indicou o que a Igreja, à luz da verdade evangélica e na linha constante de sua doutrina, tem a dizer sobre mais um delicado problema de ordem moral, sexual e familiar. Quantos são, porém, os casais que vivem em conformidade com o que defende e ensina a Igreja a este respeito? Quantos foram os casais católicos que, desde a Encíclica Humanæ Vitæ, adequaram-se às exigências de um amor fecundo, generoso, aberto aos imperativos da lei natural e do bem comum?

Todos sabemos que os meios contraceptivos infelizmente se vulgarizaram: eles hoje fazem parte da vida corrente de boa parte dos relacionamentos, tornaram-se um recurso tão à mão quanto simples pílulas para dor de cabeça. Neste quadro, não seria de todo absurdo levantar a possibilidade de haver inúmeros casais católicos que, tendo aderido às modas e aos erros deste nosso tempo, entram felizes e despreocupados na fila da comunhão, enquanto na intimidade de seus lares vivem em total desacordo com o que ensina a Igreja de cujos dons querem participar. Há, sim, uma doutrina, declarada e diversas vezes ratificada pelo Magistério; mas, de outro lado, existe uma prática pastoral que que se faz de mouca aos ensinamentos magisteriais e, não raro, até mesmo se lhes opõe e os solapa.

O que devemos recear não é, pois, aquilo que o Sínodo venha ou não a declarar, mas o fato de que os problemas que motivaram a própria convocação dessa reunião vêm tomando corpo desde pelo menos a década 1960 e têm criado brechas para que os fiéis vivam, sem sabê-lo, em contradição com o Evangelho. Abramos os olhos para esse drama que há tempos vem se arrastando e, por meio de uma mortificação sincera e bem direcionada, peçamos a Deus que inspire os sucessores de Seus santos Apóstolos para que o Sínodo sobre a Família elabore diretivas pastorais eficazes, conscienciosas e atentas à necessidade de a vida unir-se à fé e de a fé iluminar a vida.

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